terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Segue vida!


O que sinto que é vago
É a merda quando cago,
Tudo resto tem de ter
Sempre uma razão de ser.

Tem de me dizer sempre algo
Tudo quanto na vida galgo,
Porque sem sentido não existe
Vida que muito tempo resiste.

Farto das infrutíferas lutas
Ide embora filhas das putas!
Levantar com algum sentido

É pra isso que tenho vivido…
Espero para o ano conseguir
Com a minha vida para a frente partir!


Ricardo Matos

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

À espera


Sinto que perco o meu controlo
Quando olho agora à minha volta.
Fecho e abro os olhos: “seu tolo”,
Digo pra mim com revolta.

Porque sinto que perco tudo?
O que sinto que de mal faço?
Sem conseguir falar, fico mudo
E chateado … não tenho nervos d’aço.

Não caibo em mim de insatisfação
Por ver o que me rodeia de mal.
Quero o bem, a perfeição,

Mas tal só em cenário teatral.
Vou esperar-te aqui sossegado,
Se avanço muito vai sair tudo errado.




Ricardo Matos

domingo, 16 de outubro de 2011

A Água


"Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colhões
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde cago.

Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz minete
que lava o chibo mesmo da raspa
tira o cheiro a bacalhau rasca
que bebe o homem, que bebe o cão
que lava a cona e o berbigão.

Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a cona e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava putas
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao caralho

Meus senhores aqui está a água
que rega rosas e manjericos
que lava o bidé, que lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber ás fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche
e lava a boca depois de um broche."


Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage


Este Grande Senhor que foi um Grande Poeta de Portugal que nos deixou um legado enorme e riquíssimo da nossa literatura! Por muitos esquecido ... talvez para muitos desconhecido! Faça-se justiça a este Grande Senhor que continua com poemas contemporânios!

Por isso meus amigos ... POUPEM ÁGUA!

sábado, 18 de junho de 2011

Chuva e Sol


Olha a chuva como cai
“morrinha” mas sempre molha,
O Inverno já lá vai,
Mas não diz isso quem olha.

Mas o Sol lá sempre brilha,
Essa estrela cintilante,
Se de amor o caminho se trilha
É sempre reconfortante.

Vamos viver sempre unidos
Lutar por um mundo melhor!
Não às guerras e aos feridos,

Sim sempre ao Salvador!
Olha pra frente e sorri,
O melhor quero pra ti!



Ricardo Matos

Brilha ou não brilha?! Ahahahahahah

Sorri


O sorriso pode-nos traduzir
Bem diferentes formas de pensar.
Consoante a forma do ser agir
Pode o sorriso nos dar que falar!

Mas faz bem à alma e ao coração,
Com vontade acalenta o nosso dia
E podemos ouvir qualquer canção,
Mesmo má passa a boa melodia!

Mal vai o mundo, muito carrancudo,
Que não aproveita nada da vida…
Cinismo, atropelo, vale tudo

E para o fundo só há bilhete de ida!
Este destino não queres pra ti?
Então, por favor, olha-me e sorri!



Ricardo Matos

A quem me fez e faz sorrir ... e me vem acompanhando ... OBRIGADO

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Parabéns


Foi um grande senhor pra todo o sempre,
Ele foi Pessoa entre a multidão
E a nossa História nele está presente,
Dos portugueses está no coração.

Hoje marca o dia em que tu nasceste
E que és um eterno conquistador.
Por D. Sebastião não esmoreceste
À espera, pois eras um lutador.

O povo ainda hoje te não ouve,
Não sei muito bem do que estão à espera.
Em Portugal gloriosos sempre houve,

Mas o que dizem é estupidez mera.
Contudo é uma nação de gente boa
Com exemplo de Fernando Pessoa.



Ricardo Matos

Hoje, dia 13 de Junho de 2011 Fernando Pessoa faria 123 anos.
Já agora, dou os parabéns também através do blog (pois já o fiz pessoalmente) à minha querida prima que é um ... "mau feitio"! AHAHAH Beijinho Grande Dé!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Deus cria, o Homem destrói


Deste-nos a Terra a semear
E deixaste-nos livres irmãos.
Ufano é o Teu modo de olhar
Sobre os filhos do Teu coração.

Caia o céu e a terra no abismo…
Rebente o planeta em mil pedaços…
Ira Tua nunca terei, cismo,
Acarinhados por Teus abraços

Oriundos do Teu grande amor

Honrados somos por Ti Senhor.
Obrigado nunca Te dissemos,
Mesmo que alguma vez o tendo dito,
Exageramos no que fazemos
Muitas desculpas a Ti pedimos!

Desagrado não Vais demonstrando,
Enviaste até Jesus à Terra.
Sinto que estás sempre por onde ando,
Tirando-me o que o Diabo berra.
Rebentamos com tudo o que crias…
Órbitas do amor pretendias…
Irados como nós não querias!!



Ricardo Matos

Momentos


Há momentos na vida
Que valem por anos!
Porque a alegria neles vivida
Aumenta nossos valores humanos!

Experiências que tenho tido
Ensinam-me a aproveitar
E de tudo tirar partido
Para tranquilo me deitar!

Este grupo maravilhoso,
Com gente de várias ocasiões,
Muito me deixa orgulhoso

Com todas as suas acções!
Deus permita assim sempre ser
Para grandes alegrias poder viver!




Ricardo Matos


A um GRUPO simplesmente INIGUALÁVEL!

sábado, 28 de maio de 2011

Noite 2


Está uma noite amena
Com um limpo céu.
Por vezes tenho pena
Que o mundo não seja meu!

Mas para que o quero?
Confusões e responsabilidade?
Que me deixem em paz, espero
É viver a vida em liberdade.

É lindo o que hoje sinto,
Tanta leveza em minh’alma.
Juro que o é, não minto,

Vejo a vida com mais calma!
Não será, eu sei, sempre assim,
Mas deixem-me estar agora, sim?



Ricardo Matos

sábado, 23 de abril de 2011

Vem Vento, Varre


"Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
noturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só covardia.
Que fique apenas
ereto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem vento, varre!"


Adolfo Casais Monteiro (1908 - 1972), poeta portuense.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Cata


Desde que nasceu nos mostra
A potencialidade que tem
Para ultrapassar a aventura posta
Deste mundo novo para o qual vem!

Uma que nunca murcha flor
E que com o tempo se embeleza
Demonstra todo o seu esplendor
Tirando-nos qualquer tristeza.

Sorriso esse inigualável,
Muito puro e sincero,
É apenas e só o desejável

Que seja assim para a tua vida, espero!
Com uma beleza que qualquer um mata
Esta vossa (sempre) princesa “Cata”!



Ricardo Matos



Este é para uma pequenina e linda princesita ;)

terça-feira, 19 de abril de 2011

Nas mãos dos outros


De cada vez que dá um tropeção
Não arranja sítio pra se agarrar
E surge assim um grande trambolhão,
Acabando por todo se esmurrar!

Ai meu país que andas sempre aos caídos,
Ninguém que é teu te vai deitar a mão.
Pois aqueles de teu ventre saídos
Só te sabem a ti dizer que não!

Andam outros com os olhos bem abertos
À espera de te ver no chão espalhado.
Seus chulos, se sois vocês tão espertos,

Porque anda o mundo assim tão abalado?
De retro vai tu que és Satanás
E leva as tuas intenções tão más!




Ricardo Matos

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Ode Triunfal





"À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical --
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força --
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés -- oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos da estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,
Ou a seco, erguidas, nos pianos-inclinados dos portos!
Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de l'Opera que entram
Pela minh'alma dentro!

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-la-hó la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vadios; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes;
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer,
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes --
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraitre amarelos com uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

Ó fazendas nas montras! ó manequins! ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!

Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes --
Na minha mente turbulenta e incandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamento, políticas, relatores de orçamentos;
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta.)

Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o amor antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

Up-lá hó jóquei que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas,
E ser levantado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!

Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos -- e eu acho isto belo e amo-o! --
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosa gente humana que vive como os cães,
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje. . . )

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos, brocas, máquinas rotativas!

Eia! eia! eia!
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia, eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-lá! He-hô Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!"




Álvaro de Campos

quarta-feira, 30 de março de 2011

Ode à Pátria


Hugh,
Sei que me queres ouvir, mas para quê?
Nunca me pediste opinião, o que queres agora?
Que fale, que diga, que repita tudo quanto te tenho dito
E nada ouves porque não sou ninguém?
Sou teu … Nasci aqui! Pertenço-te!
Mas só sirvo para te pagar, para te servir, para te limpar a merda!
Sim … a merda que fazes com tudo o que te dou e dela tentar tirar-te!

Só pedes! Pedes, pedes e não dás!
Porquê?! Porque sou teu e achas que nada mereço?
Porque sou teu e nunca te reneguei?
Se me renegas constantemente, se me perdes o respeito
E me atiras à cara que tudo o que faço não serve, é em vão,
É inútil, é uma mísera migalha de um pão de tonelada que precisas,
Mas achas que nunca to poderei dar!

Sabes que mais?
Às vezes nem sei se te quero!
Devo é ter vergonha de dizer que não!

Olho para o lado e não vejo nada!
Às vezes quando a ti recorro sabes o que acho que sinto?
Nunca fui a nenhuma, mas deve ser a mesma sensação!
Parece que vou às putas! Tenho que pagar por tudo
E nem um caralho dum orgasmo consigo ter em condições!

Sabes porquê?
Até sabes, mas não queres ver!

Porque tal como essas gajas não fazes nada por amor!
Levas tudo o que podes, pensas que podes fazer tudo
- e até fazes – e nada deixas para ninguém!

Ah! Já me esquecia! Tens dívidas para com os teus chulos!
Os chulos dos estrangeiros que te fodem a torto e a direito
E tu pagas tudo o que te pedem … Porque … quem te paga sou eu!


Sabes? Nunca experimentei tal sentimento,
Mas deve ser muito mau amar uma puta!
Todos a fodem, até o chulo que lhe come tudo e nós,
Impávidos e serenos, continuamos a sustentar tais vícios
E sujeitamo-nos a ver!

Que Pátria a minha esta que a tudo se sujeita!
Que Pátria a minha esta que anda perdida!
Que travessia tal no deserto!



Apesar de tudo …

Amo-te meu Portugal!




Ricardo Matos

terça-feira, 29 de março de 2011

Um adeus português


"Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti."

Alexandre O'Neill

terça-feira, 22 de março de 2011

Tarde


Quando o tempo se torna nosso amigo
A vida encara-me e então me sorri
E então eu encaro-me e ando comigo,
Não quero saber quem anda por aí!

Olho o sol, que me está ele a dizer?
“Faz como eu que a mim próprio me ilumino
E, contente, irás sempre tu saber
Qual será deveras o teu caminho!”

E na tempestade – então me pergunto –
Como é que me irei iluminar?
“Passa as nuvens e p’ra de mim vem junto

E no teu topo te irás encontrar!”
No seu lugar o sol se sabe pôr,
Pois por si próprio é eterno o seu amor!



Ricardo Matos

domingo, 20 de março de 2011

Poema em linha reta


"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."




Álvaro de Campos

sábado, 19 de março de 2011

Preterido


Foi da maneira como és que te vi,
Doce e delicada no teu falar.
“O meu desejo”, pensei, “já cumpri!”
Deu resultado tanto procurar.

Mas tu as tuas costas me voltaste,
Vejo-me outra vez sem norte, sem rumo,
Mas muito descontraída ficaste
Ao sol da tarde, bebendo o teu sumo.

Voltas dou para me reencontrar,
Mas é de mim que eu devo andar escondido.
Não sei até onde isto irá parar,

Estou farto de ser sempre preterido!
Diz-me mundo o que deverei fazer
Para um dia ser eu a ter prazer!



Ricardo Matos

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Sem doer


Não sei o que foi,
Mas sei que passou.
Não sei porque dói
Nem o que acabou.

O tempo atrás não volta,
Mas as lembranças ficam
E no futuro vês, se houve ou não revolta,
De todas as coisas de que se abdicam.

Vais e vens assim que queres?
Achas que a história se repete?
Por mais parecida que possa ser

De que seja a mesma não esperes.
Anseia que o grande ciclo se complete
E que tudo acabe sem doer.




Ricardo Matos

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

“Amor” sem “amor se paga”


Amar o amado com amor
É de levar o coração ao desgaste,
Pois quem ama é um sofredor
Sabes que sim se foi com fulgor que amaste!

É fogo fátuo no peito
Se sem resposta se ficar
E sei que é de ficar desfeito
Por quem se ama não nos amar!

Mas a vida assim prossegue
Muitas vezes sem direcção
Ao sentires que ninguém te segue

E te alumia o coração!
É amor de que se necessita…
De amor forte que de vida te suscita!




Ricardo Matos

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Público do Blog - Maio de 2010 / Janeiro de 2011 // Public Blog - May 2010 / January 2011


Olá a todos.

Apesar de já estarmos a 21 de Janeiro, aproveito, desde já, para desejar-vos um excelente ano de 2011.

É com muito agrado que verifico que o meu Blog, desde Maio de 2010 (altura a partir da qual há registo de visitas) já recebi 675 visitas ao meu Blog.

Agradeço a todos quantos o lêem, espero que seja mesmo do vosso agrado, tanto os meus poemas, como os poemas dos meus compatriotas que tanto fizeram pela cultura deste lindo país que é Portugal.

Sejam muito bem-vindos, mais uma vez, e peço-vos que comentem sempre que puderem.

Obrigado.

--

Hello everyone,

Although we are already on January 21, I take this opportunity to wish you an excellent 2011.

I'm very pleased to see that my blog since May 2010 (the moment from which has notes of visits) has received 675 visits.

Thanks to all who read it. I hope it really pleases you, both my poems, like the poems of my compatriots who did so much for the culture of this beautiful country that is Portugal.

Be welcome, once again, and I ask you to comment whenever you can.

Thank you.

PS: Sorry about my poor english.


Ricardo Matos

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Os Amigos


"Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

'Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.'
- Que cento e nove impávidos marotos!"


Camilo Castelo Branco

Eça de Queiroz


«Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os carácteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: “o país está perdido!”
Algum opositor do actual governo?... Não!»



disse Eça de Queiroz no ano de 1871.

Pessoal ... estas palavras vão fazer 140 anos!!!! Estão actualíssimas!